O Controlo de Navios pelo Estado do Porto

(Aires Monteiro Gonçalves)

Novembro de 1999

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1- Antes da IMO era o caos

O controlo pelo Estado do porto é um exercício do direito de soberania que os governos dos Estados visitados põem em prática. Fundamentam este exercício no dever que têm de proteger as populações de eventuais efeitos nocivos que os visitantes possam provocar. Estas ameaças e os seus efeitos, embora inseridos em contextos diferentes são conhecidos e controlados desde os primórdios da actividade marítima. De então para cá assiste-se a um deslocar continuado do objecto destes perigos e se hoje não se fica de prevenção com medo de que um navio que se aproxima do porto represente qualquer perigo bélico, tem-se consciência por outro lado que a dimensão dos navios e a quantidade e tipo de carga que transportam podem causar acidentes com aspectos catastróficos, e com elevados prejuízos, quer para o ambiente quer para a segurança da vida humana no mar. A própria exploração comercial, também causadora de poluição, representa perigos diversos. A consciência cada vez mais assumida de que o planeta terra é um bem a conservar desperta.

Refira-se que a actividade marítima foi desde o seu inicio e na sua essência uma actividade transnacional. A necessidade de mercar e de estabelecer as regras (do negócio) impuseram que esta actividade tivesse sido a primeira a necessitar de impor tratos internacionais. Entre os países, dois a dois primeiro, alargados a terceiros depois, mas sempre numa base individual sem preocupações de globalidade e normalização e assentes no principio de que "serás tratado como tratares".

A perigosidade da actividade e os riscos que se corriam, fizeram surgir laços de solidariedade e assistência mútua que ultrapassaram guerras, ódios e as relações inter-estados.

A solidariedade dos homens do mar, marco de valores, é uma conquista do progresso em direcção à dignificação da vida humana.

 

2- Com a IMO surgiram as primeiras convenções com adopção global

A IMO, Organização Marítima Internacional (quase Mundial, porque reúne no seu seio 156 países) é hoje o fórum com competência em matérias de índole global da Actividade marítima.

Muitos foram os que deram muito do seu esforço para criar este fórum permanente. Não se deve esquecer que era mais fácil adoptar convenções, quando acontecimentos, pelo seu impacto estimulavam a necessidade de que alguma coisa deveria ser feita. Estas surgiam, ou a sua entrada em vigor era encurtada, quase sempre depois de um acidente com navios. Como se verá, a este comportamento reactivo consegue impor a IMO a sua postura preventiva e pro-activa dos nossos dias. Temia-se nessa época que a autoridade da IMO, pudesse substituir-se a parte da soberania dos Estados e imiscuir-se nos aspectos comerciais da actividade.

Esse sentimento moldou a actividade desta organização que quase até aos nossos dias se restringiu à elaboração de normas técnicas que se impuseram sobretudo pelo seu valor prático e lhe granjearam o reconhecimento mundial. Muitos países, mesmo antes de adoptarem as Resoluções da IMO, introduziam-nas no seu direito interno.

A Convenção que criou a IMO foi assinada em 1948. Foi criada sob a égide da Sociedade das Nações Unidas também criada nesse ano para evitar que guerras voltassem a acontecer da forma como surgiu a 2ª guerra Mundial.

A primeira conferência da IMO só se efectuou em 1960 (12 anos depois)!

É também de 1960 a primeira Convenção SOLAS criada sob os auspícios da IMO (depois das de 1914, 1929 e 1948).

As Convenções da IMO foram na sua maioria adoptadas entre 1969 e 1979.

Antes da criação da IMO a Convenção SOLAS de 1914 não chegou a entrar em vigor. A convenção SOLAS 29 entrou em vigor em 1933.

É já nos nossos dias que o reconhecimento da importância da IMO, é assumido sem qualquer espécie de duvidas ou manifestação de interesses políticos.

A Convenção das Nações Unidas sobre o direito do Mar (adoptada em 1982 com entrada em vigor em 1994) é um reconhecido apoio às actividades da IMO.

A dinâmica interna desta organização também se foi modificando para poder dar resposta aos problemas que os aumentos das frotas e dimensão dos navios criavam. Por outro lado também é sabido que existem estados de Bandeira cujas frotas têm 100 vezes mais acidentes do que outras. Os lucros da actividade, em ambiente de grande competição, diminuem, pelo que leva armadores menos escrupulosos a desviar ou a descurar o investimento em manutenção para maximizar lucros o que pode levar a uma degradação da condição dos navios a nível mundial. Urge assim agir com mais celeridade, acompanhar o ritmo das tecnologias, alterar, adaptar ou criar novos instrumentos que fossem postos em prática com urgência.

Surge assim o principio da aceitação tácita em oposição ao da aceitação expressa em que tem de haver o depósito do instrumento para ratificação de 2/3 dos países representando uma percentagem mínima de 50% da Arqueação mundial. Os países mais desleixados e aqueles para os quais estes assuntos eram de somenos importância, podiam " na base do deixa andar" inviabilizara a entrada em vigor de instrumentos de reconhecida necessidade.

Com a aceitação tácita parte-se do princípio de que se o país assinou uma Convenção, Emenda ou Protocolo é porque era sua intenção que estes entrassem em vigor, pelo que só deve depositar instrumento para manifestar a sua não aceitação dentro do prazo para tal destinado, entrando o instrumento em vigor na data preestabelecida (normalmente 2 anos). Em casos de emergência pode mesmo um instrumento entrar em vigor um ano após a sua adopção.

Mais modernamente, acompanhando a tendência da implantação do conceito de qualidade, e aproveitando os resultados da investigação de acidentes ocorridos, dois factos da maior importância marcaram as actividades da IMO: A entrada em vigor da Convenção sobre as normas de formação e certificação para os marítimos (STCW) e a introdução do Código para a gestão de Segurança (ISM Code) como um novo capítulo da Convenção Solas (Cap IX). É a primeira vez que os Estados perdem alguma autoridade que até aqui era considerada competência das Administrações, em beneficio da IMO. A introdução de um Código na Convenção SOLAS obriga a que alguém assuma a responsabilidade da qualidade da gestão da segurança e da sua manutenção através da emissão de certificados (neste caso 2, SMC e DOC), permitindo assim o seu controlo pelas autoridades do porto. No que respeita à STCW, o sistema de ensino náutico terá de ser submetido a uma avaliação de peritos do Comité de Segurança Marítima e só a aprovação por este permite que a certificação por um estado seja reconhecida pelas outras partes (Lista branca). No relatório do Conselho Europeu para a Segurança nos transportes de 1997 é feita uma advertência sobre a necessidade de reforçar as regras de segurança existentes, através do Controlo pelo Estado do Porto e pelo estabelecimento de uma cultura de segurança no sector marítimo.

Se no dizer de Philip Crosby " a qualidade é uma dadiva, não tem custos - os custos são os da não-qualidade" não é menos verdade que na actividade marítima a segurança é uma questão de atitude. As análises das detenções efectuadas pelo PSC mostram que se tivesse havido uma manutenção diária, 92% das deficiências encontradas, teriam sido evitadas.

 

3- O Port State Control e a necessidade de fazer cumprir os regulamentos

Num mundo ideal não seria necessária a existência do Port State Control. Porém a actividade marítima está muito longe de constituir uma actividade mundial ideal. A diversidade dos intervenientes, Administrações dos Estados de Bandeira, armadores, seguradoras e Sociedades de classificação para citar os principais, não conseguem exercer as suas responsabilidades o que deixou para os Estados do Porto a tarefa de vigiar a industria.

Tratados como as convenções SOLAS, MARPOL, LL, e STCW etc., contêm provisões que permitem aos governos inspeccionar navios estrangeiros que visitam os seus portos para verificação dos requisitos IMO e ILO. De inicio este controlo era interpretado apenas como um suporte aos procedimentos, da responsabilidade dos estados de bandeira, mas vários aspectos tornaram o Controlo pelo Estado do Porto muito mais importante, por ser levado a cabo pelas autoridades nacionais. A experiência tem mostrado que a eficácia é maior quando este controlo for organizado numa base regional, pois muitos navios que escalam um porto de um país da região, seguirão com elevada probabilidade para um porto dentro dessa mesma região, antes da viagem de regresso, e tendo sido inspeccionado no primeiro, com demonstração de conformidade com as regras, permite que a atenção e os recursos do porto seguinte se concentrem noutros navios e principalmente naqueles cujo seguimento tenha sido solicitado pelo porto anterior.

Impõe-se, logo á partida, uma intensa cooperação, suportada por um sistema de informação partilhado e eficiente e uma formação idêntica, com harmonização de procedimentos.

4 - O memorando de Paris (Paris MoU on Port State Control)

A primeira destes organizações regionais foi constituída em Paris em 1982, através da realização de um memorando que foi assinado por 16 países Europeus aos quais se juntou mais tarde o Canadá alargando assim a região de controle a todo o Atlântico Norte. A Croácia e a Polónia aderiram posteriormente e espera-se que a Islândia venha a ser membro efectivo no próximo ano. Os Estados Unidos, não fazendo parte desta organização nem de qualquer outra, assistem às reuniões do MoU de Paris na qualidade de observadores e cooperam com este em vários aspectos.

Os custos para manter em funcionamento este sistema são suportados pelos signatários do MoU em partes iguais.

O secretariado permanente tem sede na Holanda, Ministério dos Transportes, e o sistema de Informação de Navios (Sirenac) funciona no CAAM (Centre Administratif des Affaires Maritimes) em Saint Malo, França.

A consulta a esta base de dados é feita numa base diária quer para recolher a situação de cada navio que escala o porto, quer para introduzir e armazenar os resultados das inspecções, bem como trocar informações de índole administrativa.

Para manter a harmonização de procedimentos destaca-se a realização anual de dois seminários para inspectores, suportados financeiramente pela União Europeia na base de dois participantes por país. É de realçar o papel de suporte que a União Europeia tem trazido a esta organização não só sob a forma de suporte financeiro para estas realizações mas também sob a forma de contribuições legislativas estando a de maior relevo formulada na Directiva 97/25/CE (e da proposta para a sua alteração) que vincula todos os Estados Europeus membros e reitera os critérios do Memorando sobre o perfil dos inspectores e da sua forma de actuação.

Sobre os dados recolhidos são feitas várias estatísticas com finalidades diversas como sejam a identificação de tipos de navios que necessitam de maior atenção, quais as deficiências mais frequentes, o desempenho das várias Administrações das bandeiras, signatárias ou não, o envolvimento e consequente responsabilidade das sociedades de classificação etc.

Até 1998 as estatísticas eram feitas numa base trimestral mas por decisão do comité passaram a partir de 1999 a ser feitas mensalmente. A lista de navios detidos é publicada no endereço da Internet www.parismou.org podendo ser consultada sem qualquer tipo de restrições. A todas estas possibilidades de acesso à informação vem juntar-se a criação da base de dados EQUASIS, desenvolvida pela Comissão Europeia e França e destinada a trazer mais transparência e qualidade à industria Marítima.

É importante realçar que nenhuma lei, regra, imposição ou exigência aos navios, foi criada por esta organização. Apenas é exigido o cumprimento dos instrumentos internacionais aplicáveis. Só foram estabelecidos procedimentos de funcionamento para relacionamento dos seus membros.

Resta acrescentar que Portugal está incluído nos países que inicialmente subscreveram o memorando, tendo cabido à Direcção Geral de Marinha a competência nacional nestas matérias. A criação do Instituto Marítimo-Portuário (D.L. 331/98) transfere essa competência para o IMP, que passou a desempenhar essa actividade a partir de 6 de Janeiro de 1999.

 

5 - As tendências: Organizações Semelhantes

Devido à eficácia do memorando de Paris outras organizações semelhantes tem surgido um pouco por todo o mundo. A Organização Marítima Internacional viu assim poder tornar-se realidade um sonho que até aqui tinha sido impossível. Os sistemas de Informação existentes destinavam-se a servir interesses particulares das organizações ( A Lloyd´s mantém o sistema LMIS, enquanto o Fórum Marítimo Internacional das Companhias Petrolíferas mantém o SIRE) com características de secretismo, ou pelo menos de caracter reservado, o que só vinha beneficiar os navios substandard. A IMO viu assim a possibilidade de ser constituído um sistema de informação mundial (ISID) com disponibilização dessa informação a todos os sectores interessados da indústria. O surgir de várias organizações regionais constitui uma abordagem capaz de lhe dar sentido.

As novas organizações regionais criadas com uma filosofia semelhante ao ParisMoU, impõem-se percentagens de inspecções diferentes dos 25% estabelecidos no MoU de Paris. O da Região das Caraíbas, o da região do Mediterrâneo e o da América Latina inspeccionam, 15%, enquanto o MoU de Tóquio inspecciona 50% e o da região do Oceano Índico inspecciona 10% dos navios estrangeiros.

Com a ajuda da IMO, estão em curso preparativos para a criação da região da África Central e Ocidental (com acções empenhadas da Nigéria e Guiné) e de organização idêntica no Golfo Arábico com a cooperação activa do Irão.

Com a implementação de todos os sistemas regionais de controle, com padrões e finalidades idênticos, estarão cobertas todas as zonas marítimas do globo não se encarando para já como urgente, a criação de uma única organização sob a coordenação da IMO. Mais eficaz parece ser o estabelecimento de uma inter-cooperação entre os vários secretariados com a assistência da IMO, o que na prática corresponderá à existência de uma rede mundial de controlo e perseguição dos navios sub-standard. A terra em que vivemos tem que ser aliviada das agressões a que tem estado sujeita. Se não se agir a tempo, a sua capacidade de absorção pode ver-se saturada. A qualidade de vida deve ser planeada com antecedência, de forma coordenada e a um nível global. As gerações futuras agradecerão.

Instrumentos legislativos de referência:

Resoluções da Assembleia da IMO: A.390(X), A.682(17), A.787(19).

Directiva 95/21/CE da União Europeia.

D.L. 195/98 de 10 de Junho

Lisboa, 3 de Novembro de 1999.

 

 

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